Secretaria Municipal de Educação

Em Benevides, a educação pública Em Tempo Integral para todas as infâncias

Professores e professoras da Rede Municipal de Ensino de Benevides estiveram imersos em um laboratório de estudos, pesquisas e partilhas em preparação para o ano letivo em tempo integral para todas as infâncias.

14/02/2024 17h44 - Atualizada em 14/02/2024 22h19
Secom

Na última semana, 05 a 09, professores e professoras da Rede Municipal de Ensino de Benevides estiveram imersos em um laboratório de estudos, pesquisas e partilhas em preparação para o ano letivo em tempo integral, uma parceria entre Secretaria Municipal de Educação (SEMED) e Centro de Formação e Pesquisa de Benevides.

Inicialmente, pelos próximos anos, as escolas como EMEIF Angélica Sales, UPEIF Fiore, EMEIF Madressilva e EMEIF Maria Romualda, irão funcionar com tempo ampliado, alcançando cerca de 600 crianças. As escolas serão coordenadas pelas professoras Késia Nóbrega e Michela Quemel, técnicas pedagógicas da SEMED.

Promover uma educação integral para todas as infâncias é reconhecer, antes de tudo, os aspectos que compõem o ser humano na sua totalidade, como intelectual, físico, emocional, cultural, religioso, étnico/racial, gênero, político, e abraçar toda essa diversidade como uma riqueza, capaz de mover o indivíduo para a liberdade. 

Desde a gestação, a criança constitui a sua identidade em várias linguagens, no contato com a família, com a comunidade, e com o seu próprio território. Portanto, se a criança constitui a sua identidade desde o momento em que ela é gerada, ela é um sujeito carregado de sabedoria. 

No Brasil, milhares de crianças vivem em um ambiente inseguro, onde a violência é um métodos usados como forma de educar, negligenciando direitos, silenciando a sabedoria, cooperando para uma vida disfuncional em todos os sentidos. 

Em tempo ampliado na escola, as crianças das camadas sociais mais vulneráveis passarão a ter mais possibilidades, dentro de um ambiente seguro e livre, com estímulos para desenvolver habilidades, com maior segurança alimentar, além de experiências significativas que podem expandir múltiplas inteligências e sensibilidades no contato com a terra e com as outras crianças. 

Para facilitar o processo de desenvolvimento da criança dentro desse espaço, o papel do professor educador é fundamental para que a criança consiga ser conduzida em um percurso pedagógico que faça sentido para ela. 

Em Benevides, professores e professoras têm feito um exercício contínuo à sensibilidade. 

Como num efeito maresia, é preciso que se jogue uma pedra no meio do rio para que as ondas se criem e atinjam, em pequenas e até em grande proporções, outros lados. Portanto, a transformação precisa acontecer de dentro para fora. 

Foi assim que o primeiro percurso aconteceu. 

A professora, Rosângela Aragão, propõe contribuir com o processo de conscientização de uma nova cultura socioambiental integral nas Escolas de Tempo Integral em Benevides, por meio do projeto tecido por ela, “Juntos para Reconectar e Cuidar”. 

Durante o ano, a professora irá percorrer pelas quatro escolas municipais, acompanhando e formando os professores em todas dimensões sócio ambientais, como Reconectar, Repensar, Reinculturar, Reduzir, Reciclar e Ressignificar. 

Nesse primeiro percurso, os educadores puderam se Reconectar consigo mesmo e com natureza, instigados pelo exercício do aterramento, do diálogo, da pesquisa, da reflexão, e no encantamento com a terra e com toda a sua criação, bem como Repensar práticas destrutivas que colocam em risco a vida de todos os seres vivos. 

Reconectar

Em um mundo onde o espaço cibernético e as situações cotidianas cooperam para a dispersão e ao desvinculo, conectar-se com a natureza e se reconhecer como parte dela, é um estímulo para o cuidado com a terra e o cuidado com a própria vida em todas suas dimensões. 

Professoras e professores compreenderam a existência da natureza, o sentido da vida humana como homem natureza, e repensaram dinâmicas e hábitos que impactam negativamente a vida do planeta, por meio de oficinas, conversas e uma experiência imersiva dentro de um ambiente puramente vivo.

Durante a caminhada livre na trilha ecológica, da Mariápolis Glória, educadores e educadoras contemplaram a vida presente na Amazônia, perceberam sons, cheiros, sabores das frutas, texturas e formatos de flores e folhas, identificaram espécies de vegetais, sementes, o movimento das formigas e outros insetos, fizeram coletas dos elementos da natureza, dentre eles um fóssil de um animal, que indicava o fim de um ciclo da vida terrestre. 

As experiências na natureza em contato com os elementos vivos acolhem as crianças, público mais afetado pelas mudanças climáticas, além de proporcionar o sentido de pertencimento, estímulo da curiosidade e um exercício de amor com a própria terra. 

Entender como nasce uma árvore, por exemplo, ou a importância de uma formiga para o ecossistema, exercita a sensibilidade e conduz para um aprendizado mais efetivo, apurando na criança a sua essência pesquisadora. 

O prof. João Marcos, um dos professores que está no quadro docente da escola em tempo integral, conta que esse primeiro percurso formativo foi necessário e que lhe causou várias reflexões sobre a importância de valorizar o tempo com as crianças. 

“O educador, todo corpo escolar precisa ter esse entendimento de que a educação da criança é extra-muros, não é só dentro da escola, mas a partir do momento em que a criança coloca o pé dentro da escola, até o momento em que ela sai, todos os segundos, todos os instantes, a educação, a formação daquela criança está acontecendo. Essa experiência vai nos proporcionar momentos de partilha na hora do almoço, do descanso, fora e dentro da sala de aula, então tudo vai contribuir para o vínculo delas com elas mesmas e com tudo”, enfatiza. 

Para o professor, o tempo e as experiências significativas com as crianças vai desenvolver nelas a autonomia, senso crítico, protagonismo e senso de coletividade.

“Essas experiências vão nos proporcionar vidas transformadas, com crianças preparadas para o mundo, com cidadãos críticos, para viver em uma sociedade que possa transformar as coisas ao seu redor. E é essa a sensação que eu tenho e o que eu quero como professor”, disse. 

Repensar 

Após a experiência na trilha ecológica, os elementos coletados pelos educadores e educadoras foram trazidos para a sala de aula e a partir deles foram criados materiais como ferramenta pedagógica. 


Diante da produção rica em biodiversidade amazônica, perceberam que esses elementos podem ser fontes de conhecimento às crianças.

No ambiente escolar, é comum encontrar materiais, como E.V.A, T.N.T, balões, e outros recursos altamente tóxicos e danosos à saúde das crianças e à vida do planeta. O uso desses materiais foram repensados e substituídos, tornando a escola mais sustentável. 

Ao repensar a prática humana, professores e professoras fizeram um estudo sobre alguns aspectos da Carta da Terra, um manifesto aos princípios éticos fundamentais para a construção de uma sociedade global justa, sustentável e pacífica no século XXI. 

A partir desse aprofundamento, em grupos, eles protagonizaram peças teatrais com um enredo crítico, causando um impacto na consciência e no comportamento, como, por exemplo, na prática de consumo desenfreado e descarte de lixo sem consciência ambiental.

Para a Profa. Socorro Sampaio, gestora da EMEIF Angélica Sales, escola que fica próxima de um rio no distrito de Benevides, o primeiro percurso formativo foi um despertar para aproximar ainda mais as crianças do território que pertence a elas. 

“Foi importante compreender que na natureza você encontra essa conexão realmente com a Criação, vai nos ajudar a fazer a criança compreender que a natureza está ao nosso favor e que nós fazemos parte desse mundo, nós somos seres universais e o universo está para nós cuidarmos, proteger e se sentir dentro dele”, disse. 

Sampaio conta ainda sobre o primeiro desafio que será gerir uma escola em tempo integral após anos trabalhando em uma escola tradicional, mas acredita na potência de uma escola com tempo ampliado, capaz de gerar impactos positivos além da escola. 

“Toda experiência nova pode assustar algumas vezes, mas também nos enche de entusiasmo por saber que aquela criança o dia todo vai estar tendo atividades feitas, pensadas nela e por elas, fazendo com que ela compreenda o espaço em que ela está, o momento em que ela está, e ao chegar na sua casa ela vai conseguir passar todo aquele momento que ela teve na escola para a sua família, como foi e o que ela  poderia ter feito melhor, o que ela não poderia, e é um momento de aprendizado diário e contínuo. A rotina dessa criança também deve ser partilhada com a família, para que a família compreenda e participe. E até o chegar da criança em casa, ela instiga perguntas referentes ao que a criança fez na escola, o dia da criança na escola.”, conta. 

Cultura Maker na Escola Em Tempo Integral

Desde que Benevides aderiu à cultura Maker, práticas inovadoras começaram a surgir.

A prática da cultura do “fazer” não parte apenas do professor ou da professora, eles são os facilitadores no processo de ensino-aprendizagem. Os alunos são os protagonistas nesse processo criativo. Em Benevides, vários projetos já foram desenvolvidos e apresentados por eles em encontros externos, projetos que propõem soluções inteligentes para vários problemas ambientais e sociais. 

Há quem acredite que só é possível aderir a cultura Maker com o manejo das máquinas, como, por exemplo, a impressora 3D, cortadoras a laser e outras ferramentas que materializam um projeto, mas vai muito além disso. 

Durante a semana, os professores e professoras também se auto descobriram Maker, quando entenderam que o simples ato de planejar e organizar os ingredientes de um bolo e depois fazer a mistura deles já representa um movimento Maker, ou seja, um projeto foi materializado. A oficina foi ministrada pela professora, Kesia Nóbrega, uma das técnicas pedagógicas da SEMED, que está à frente da Escola em Tempo Integral em Benevides. 

A cultura Maker também vai estar na Escola Em Tempo Integral para as crianças. 

Arte livre para as crianças 

A arte é um direito de todo o ser humano. Ao manifestar a escrita, um desenho, ou qualquer outra expressão artística livre, a pessoa desenvolve a cognição, as capacidades intelectuais e emocionais. A arte expressa comunica, transforma, exercita a sensibilidade e salva. 

Para o exercício da sensibilidade dos professores e professoras, a profa. Me. em Arte, Franci Sodré, promoveu uma oficina envolvente que provocou os profissionais à pensarem a Arte como uma ferramenta fundamental que deve ser compreendida como prioridade para as crianças. 

Com papel e caneta, eles foram instigados a pensar o que representa a arte na própria perspectiva e estimulou-os a fazer um desenho livre. 

Segundo a profa. Franci, no contexto educacional a arte ainda é uma matéria usada na maioria das vezes em segundo plano, às vezes como um passa-tempo. Quando ela surge, vem com uma proposta de atividade previsível para as crianças como cobrir ou pintar algum desenho já imposto no papel.

Para a professora Anizdete Antunes, essa oficina foi essencial para repensar esses paradigmas que categorizam a arte como menos importante e afasta do sentido mais puro da sua função para as crianças. 

“Eu sempre me preocupei de que a criança ela mesma construísse, e quando a criança ela própria constrói não fica perfeito aos olhos de um ser humano que não entende a arte por si, então sempre tive essa preocupação de que a criança pudesse construir e ela se tivesse essa sensação de pertencimento, porém muitas vezes eu me sentia tolhida ou podada, porque o pensamento da maioria não era bem esse, então agora eu vejo que a possibilidade da gente poder ir livremente seguir com o coração. A criança se apossar da arte com liberdade”, disse.

A professora, Juliana Batista, fez uma demonstração de um trabalho artístico feito com elementos da natureza, e com aproveitamento de materiais que poderiam ter sido descartados. Com a união de todos esses elementos, ela produziu uma mandala, que pode ser tecida pelas crianças exercitando a sensibilidade e criatividade.

Os professores e professoras ainda fizeram um estudo coletivo aprofundado do currículo próprio de Escola em Tempo Integral de Benevides. O documento é resultado de uma escuta ativa de professores e professoras benevidenses que contribuíram com informações necessárias, contemplando todos aspectos culturais, sociais e ambientais de Benevides. 

Segundo a professora Cristian Brasil, essa nova proposta de educação integral estimula para uma nova mentalidade e mudança de comportamento do professor. 

“Esses dias foram fantásticos. Saber que é possível desenvolver um trabalho em que a criança precisa participar, pode dar ideias, e a partir daí surgir novos projetos. É um trabalho coletivo, a gente vê uma diferença muito grande, você não vai trabalhar língua portuguesa, o professor não vai trabalhar isso aqui para as crianças , mas juntos com as crianças, juntos por uma construção de conhecimento”, pontua. 

Na educação integral, a matemática, o português, a ciência, a história, o inglês, ganharão novos formatos, e a criança está no centro, em relação com tudo. 

Há 3 anos, Benevides já vem construindo uma educação que tem contribuído não só para o aprendizado efetivo, mas uma educação com equidade que abrace o ser humano em toda a sua completude.